O texto que José Vítor Malheiros hoje escreve no
Público, a propósito da crise da imprensa, é de tal modo certeiro no diagnóstico que deve ter doído fundo a muito boa gente, sobretudo aquela que tem responsabilidades na administração dos jornais. Incluindo a do
Público, naturalmente.
Por exemplo, quando o jornalista, acertadamente, escreve:
«Este é o desafio que os jornais em papel têm de enfrentar. Até agora, a venda de "produtos associados" (livros, DVD, etc.) e os cortes de pessoal têm permitido ganhar tempo e incutir falsas esperanças nos accionistas, mas os buracos financeiros vão-se alargando. A crise de vendas - e de audiências e publicidade - é aliás alimentada pelos cortes de pessoal e de custos, que reduzem a qualidade dos jornais e alienam cada vez mais leitores.»
Outra, sobremaneira acertada:
«Apesar de um discurso que valoriza "a marca", os jornais têm reduzido muito daquilo que poderiam ser factores de distinção pela qualidade. Os jornalistas são pressionados a produzir mais em menos tempo e as redacções, por falta de recursos, abandonam os grandes trabalhos de investigação que poderiam justificar a sua existência. (...) Um jornal nacional com uma redacção de 30 jornalistas não pode cobrir com qualidade todas as áreas. O bom jornalismo exige tempo, dinheiro, pessoas qualificadas.»
A qualificação das pessoas devia, obviamente, começar pelos membros das administrações dos jornais. Quer-me parecer que boa parte deles não sabe bem o que anda a fazer. Vindos de áreas estranhas à imprensa, treinados para a eficiência e o controlo de custos, obcecados com os accionistas, comportam-se como elefantes numa loja de porcelana. A crise veio agravar-lhes substancialmente o desatino e a falta de estratégia, como se tem visto, com particular nitidez, na Controlinveste.
Entre a qualidade jornalística e o relatório de contas, o diabo já veio e fez as suas escolhas.