1.6.06

O armário do jornalismo III

Ainda a propósito da "trovoada Carrilho", o jornalista Luís Costa escreve hoje, correcta e certeiramente, no Público:

«O problema é que a generalidade das redacções (num movimento contrário ao ciclo profissionalizante das mais poderosas fontes de informação) deixou de garantir a preservação do papel essencial do jornalista, porque isso só se consegue com recursos humanos qualificados e em número suficiente, com gente motivada e boas condições de trabalho, com chefias, editores e directores de indiscutível mérito e experiência acumulada, com gente capaz de impor critérios editoriais aos ditames do marketing e das relações públicas, com estruturas intermédias fortes e actuantes, com um sector de agenda atento, determinante e valorizado, com administrações que saibam conciliar o compreensível desejo de lucro com a especificidade de uma área de negócio que não vende um produto qualquer.»

Permito-me acrescentar que, hoje, bastaria olhar para o perfil das administrações dos principais grupos de comunicação social em Portugal para se ficar com um elevado grau de certeza de que tudo isto tem um caminho garantido: o da deterioração.

1 comentário:

  1. Como me revejo nesta citação do Luís Costa...Fui durante dois anos e meio editor de uma revista de circulação nacional e lutava todos os meses contra o lobby interno do departamento de publicidade.

    A pressão para publicar textos de produtos de empresas que iriam anunciar nesse número era constante e vergonhosa. Passaram-se coisas que só visto...

    Mais...supostamente, as minhas funções eram de editor mas, na prática, ultrapassavam em muito essa categoria, já que eu revia pelo menos metade da revista, exercia funções do foro do director, etc. Eu e os restants editores do grupo. A crónica falta de recursos humanos fazia com que as publicações perdessem qualidade mês após mês.

    Mais de 90% dos conteúdos da revista eram traduzidos. Portanto, exigiam um cuidado acrescido na sua edição, o que levava algum tempo.

    Mas o meu patrão, o meu director e o director de produção chegaram a dizer-me (e a outros colegas meus que editavam outras revistas do grupo), diversas vezes, sem qualquer pudor, que "a qualidade é secundária. O que importa é que a revista esteja nas bancas antes da concorrência. Não te precoupes, o leitor 'para' tudo".

    Atentem bem na extrema anormalidade desta frase:"o leitor papa tudo". Então, num mundo globalizado, em que o acesso democratizado à informação criou públicos cada vez melhor informados, mais exigentes e mais conhecedores, ainda há quem pense que "o leitor para tudo"? Ainda há empresários de Comunicação Social e responsáveis de topo nas empresas do sector que julgam ser o leitor um bicho acéfalo, sem livre arbítrio ou capacidade crítica?

    Meus senhores, a concorrência é vasta e feroz. O leitor, cada vez mais, é crítico, conhecedor e exigente. Se não gosta do que lê olha para o lado e lá está uma publicação da concorrência a seduzi-lo. É tão simples quanto isto. Será assim tão difícil perceber? É preciso fazer um desenho?

    Enquanto houver gente como os meus antigos patrão, director e director de produção o jornalismo português não via a lado nenhum. Infelizmente, a tendência não é para melhorar.

    OK, talvez seja a minha inconformidade que me lançou, no desemprego. Se calhar, tenho que mudar de profissão...

    Ass: jornalista desencantado

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