13.9.05

De leituras: a Internet e os homens arcaicos

Um dos traços mais preocupantes no que à evolução das novas tecnologias diz respeito é a forma acrítica com que elas são incorporadas pelas pessoas no seu dia-a-dia. Se é novo, se é prático, se é bem, se é barato... é bom. Use-se e abuse-se. O telemóvel é um bom e recente exemplo de como se pode passar, num ápice, da utilidade à febrilidade.

O turbilhão de novidades e gadgets associados ao emergir das tecnologias não deixa, em geral, grande espaço para reflexões críticas. Neil Postman demonstra-o, de forma cabal, no seu brilhante Tecnopolia. Torna-se, portanto, importante alertar para a necessidade de estarmos sempre atentos ao que dizem os "velhos do restelo".

Alain Finkielkraut e Paul Soriano são dois nomes que, para muitos, caberão naquela categoria. Ao primeiro, escritor e professor de filosofia em França, costumam os adversários chamar neo-reaccionário. O segundo dirige um instituto de prospectiva, virado para as questões da sociedade em rede.

As suas opiniões sobre a Internet estão reunidas no livro Internet, o Êxtase Inquietante, publicado por cá em 2002. Para tecnófilos militantes, esta obra será um amontoado de provocações. Para quem acreditar que da diversidade de opiniões nasce o interesse, é de ler.

Finkielkraut olha de lado para a revolução digital. E diz continuar desligado das "forças vivas", «mantendo as novas máquinas à distância, barricando-me de certa maneira no que ficou para trás, agarro-me à minha caneta, à minha papelada, e aos meus amigos queridos, os livros». Abomina o ecrã. Zurze quem acredita que a Internet na sala de aula "produz" melhores alunos. Teme o fim da privacidade e da intimidade, a vigilância omnipresente. Um resistente, portanto, ao «democrático total da técnica desenfreada». Como resistir a provocações deste calibre?

E explana assim: «A Internet é o perigo que corre a liberdade quando se pode conservar o traço seja do que for, mas é também o perigo que fazemos correr aos outros e a nós próprios quando gozamos de uma liberdade sem limites.»

E pergunta ainda o seguinte, de uma forma pertinente e de grande fôlego: «Apresentam-nos a Internet como um magnífico instrumento de informação e de comunicação, mas para quê tanta informação, tanta comunicação? E o lugar para o resto - para tudo o que na nossa vida não depende nem da informação nem da comunicação? Que lugar fica para a contemplação? Que lugar para a admiração? Que lugar para a ruminação? Que lugar para a solidão?»

Quem não gostar destas inquietações existenciais de Finkielkraut pode sempre responder, em tom pragmático, com aquela frase de uma canção dos U2: «You miss to much these days if you stop to think».

Soriano, por seu lado, preocupa-se com a invasão das "próteses técnicas" no meio ambiente humano, colocando-nos sempre disponíves, sempre acessíveis na rede, cujo tempo é «um eterno presente que é uma presença permanente». A rede, funcionando em registo de interrupção frenética, «aniquila os grandes momentos que estruturam a vida dos homens arcaicos».

Leia-se, ainda: «As próteses técnicas com que nos equipamos febrilmente (a começar pelo telemóvel) assemelham-se sob este aspecto às pulseiras electrónicas dos presos no meio da cidade.»

Em dois pequenos textos, Finkielkraut e Soriano levantam questões e colocam problemas que dão para uma boa discussão sobre as novas tecnologias, quase sempre alvo de adoração, poucas vezes objecto de discussão. A sério.

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